Por Simone Boakowicz – Gerente Atuarial da Funcorsan
Na edição passada do Fonte (nº 84) falamos sobre a importância da previdência complementar, quais os tipos de planos e suas diferenças. Nessa edição, vamos tratar sobre equacionamento de déficit e como fazê-lo.
Um plano de Previdência da modalidade de Benefício Definido – BD, como o que a Funcorsan administra, tem natureza mutualista, ou seja, todos os participantes e patrocinadores colaboram para a formação de um fundo, que no momento da aposentadoria, será utilizado para efetuar o pagamento dos benefícios mensais. Além disso, esse tipo de plano possui caráter solidário, determinando que os riscos inerentes à administração do plano sejam distribuídos entre todos os envolvidos (participantes, assistidos e patrocinadores). Entre os riscos envolvidos neste tipo de plano, o financeiro e o de longevidade são os mais destacados
O risco financeiro está profundamente ligado ao atingimento, ou não, da meta atuarial (taxa de desconto atuarial) estipulada para garantir o pagamento dos benefícios contratados. Esta variável (taxa de juros real) é muito importante para que se possa projetar o montante de recursos necessário que o plano precisa ter em seu patrimônio para suprir o pagamento dos benefícios. Desta forma, se no início do ano projetou-se que seria necessário obter uma taxa de juros de 6% ao ano, por exemplo, e ao chegar no fim do ano a taxa atingida for de 5%, significa que o plano não atingiu uma rentabilidade suficiente para cobrir os compromissos contratados.
Já o risco de longevidade, de forma muito simplificada, pode ser definido pela probabilidade de que os recursos destinados para o pagamento dos benefícios acabem antes do final da vida de um indivíduo. O atuário, que é o profissional habilitado para calcular as reservas matemáticas necessárias à cobertura dos benefícios a serem pagos no futuro, realiza um cálculo estimando que, por exemplo, os aposentados viverão por mais 25 anos após a entrada em aposentadoria. Este risco, se materializa, portanto, caso os recebedores desta aposentadoria sobrevivam além destes 25 anos projetados e isso pode causar um desequilíbrio ao plano.
O equilíbrio técnico de um Plano de Benefícios é calculado pela avaliação atuarial do plano no encerramento de cada exercício (ano). É, simplificadamente, a comparação do valor do seu Patrimônio de Cobertura com o valor das suas correspondentes Provisões Matemáticas. Desta forma, é importante salientar que neste tipo de plano (BD) se busca constantemente o equilíbrio: quando existem mais recursos garantidores (patrimônio) do que obrigações a serem pagas aos beneficiários do plano, é dito que o plano está com sobras ou superavitário e quando ocorre o inverso, o plano está insuficiente ou deficitário.
O déficit de um plano de benefícios se caracteriza, portanto, pela falta de recursos acumulados em determinado momento para fazer frente a todos compromissos assumidos, ou seja, quando os compromissos futuros superam os valores arrecadados para a manutenção do plano.
A figura abaixo demonstra os resultados possíveis para um plano de benefícios:
Fonte: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/2495/1/RB%2041%20Amortiza%C3%A7%C3%A3o%20de%20deficits%20atuariais_P.pdf
Quando o déficit ocorre e ultrapassa o limite estabelecido pela legislação, é preciso estabelecer um plano de equacionamento. O plano de equacionamento nada mais é do que a forma estabelecida para financiar este déficit. Ele é obrigatório por lei e tem o objetivo de reconstituir o equilíbrio deste plano, a fim de preservar o direito dos participantes em receber seus benefícios futuros.
As formas e os prazos de equacionamento são definidos nos artigos 34 e 35 da Resolução CNPC nº 30/2018, do Conselho Nacional de Previdência Complementar:
Art. 34 Na ocorrência de insuficiência de cobertura patrimonial, não coberta pela contribuição normal, o prazo máximo para a sua amortização, quando exigida, equivalerá a uma vez e meia o prazo de duração do passivo do plano de benefícios.
1º No caso de planos em extinção, o prazo referido no caput poderá ser estendido e compatibilizado com aquele previsto para a liquidação dos compromissos abrangidos pelo passivo atuarial do plano de benefícios, desde que o plano de equacionamento contemple o valor atualizado da totalidade do déficit técnico acumulado.
Art. 35 Observado o disposto nesta Resolução e nas demais normas estabelecidas pelo órgão regulador, o plano de equacionamento referido no art. 29 poderá contemplar, dentre outras, as seguintes formas, de maneira individual ou combinada:
I – instituição ou aumento de contribuição extraordinária;
II – redução do valor dos benefícios a conceder; ou
III – outras formas estipuladas no regulamento do plano de benefícios.
1º A redução do valor dos benefícios não se aplica aos assistidos, sendo cabível, neste caso, a instituição de contribuição extraordinária para a cobertura do déficit apurado.
Detalhando o que consta nessa legislação, a duração do passivo do plano, mais conhecida como duration, é medida em anos e corresponde à média dos prazos dos fluxos de pagamentos de benefícios do plano, ponderada pelos valores presentes desses fluxos. De forma simplificada, pode-se dizer que duration é o tempo médio em que o plano pagará seus compromissos – benefícios de aposentadoria e pensão, por exemplo. Então, se a duration de um plano de benefícios é de 14 anos, o prazo máximo para pagamento será de 21 anos (14 anos X 1,5).
Esse prazo é definido para planos que se encontram abertos a novas adesões. Já no caso daqueles ditos “em extinção”, os quais se referem aos planos de previdência que estão fechados e não podem mais receber novos participantes, o prazo de amortização do déficit pode ser estendido de acordo com a duração da liquidação de todos os compromissos abrangidos pelo passivo, ou seja, até que seja pago o último benefício contratado. Esta possibilidade determina o que é chamado de “financiamento por prazo vitalício” e é necessário que o maior valor entre o equilíbrio técnico acumulado e o equilíbrio técnico ajustado esteja sendo equacionado para que este prazo possa ser utilizado.
Para tentar explicar um pouco melhor quando é possível utilizar este prazo estendido, vamos ao exemplo abaixo.
Suponhamos que o resultado da avaliação atuarial de um plano BD tenha sido o seguinte:
De acordo com a tabela, o Equilíbrio Técnico Acumulado é de R$ 730 milhões e o Equilíbrio Técnico Ajustado (ETA), que é apurado depois de descontado o ajuste de precificação, é de R$ 580 milhões. Então, para poder utilizar o chamado prazo vitalício de equacionamento, deveria ser equacionado, preferencialmente, o maior valor entre os dois, conforme diz a legislação na Instrução Normativa Previc nº 33/2020. Ou seja, tanto pode ser utilizado o ETA quanto o Déficit Técnico Acumulado.
Quanto à forma de amortizar este déficit, conforme detalhado pela legislação, podem ser criadas contribuições adicionais, as chamadas contribuições extraordinárias, bem como podem ser realizadas reduções nos valores dos benefícios que serão concedidos, além de outras medidas que podem ser realizadas mediante alteração das regras previstas em regulamento, como por exemplo, o aumento da idade mínima para a aposentadoria, ou a redução nas cotas para recebimento de pensões. Neste caso, é importante salientar que no caso dos assistidos, a redução no valor dos benefícios já concedidos não pode ser aplicada, cabendo somente a instituição de uma contribuição extraordinária.
Por se tratar de um plano mutualista e solidário, todos têm que pagar a sua participação no financiamento deste déficit, participantes, assistidos e patrocinadores e a divisão é feita de acordo com a paridade contributiva, ou seja, 50% do déficit é rateado entre as patrocinadoras do plano e os outros 50% é dividido entre os participantes e assistidos.
O equacionamento de déficit de um plano é vital para a sua sustentabilidade e é preciso entender como um plano de equacionamento funciona, assim, algumas ações relacionadas à gestão de um plano previdenciário, como o de Benefício Definido, por exemplo, se tornam mais fáceis de compreender por parte de seus participantes.
O plano BD 001, administrado pela Funcorsan apresenta déficit e é preciso equacioná-lo. No entanto, ainda não há uma definição, por parte da Patrocinadora, de qual plano de equacionamento será utilizado para isso. Foram feitos estudos analisando alguns possíveis cenários, já enviados para Corsan. Quando houver uma definição a respeito, os participantes serão devidamente comunicados.
Nota Definição:
Ajuste de Precificação: valor correspondente à diferença entre o valor dos títulos públicos federais atrelados a índice de preços classificados na categoria mantidos até o vencimento, calculado considerando a taxa de juros real anual utilizada na respectiva avaliação atuarial, e o valor contábil desses títulos. O ajuste de precificação serve para o cálculo do Equilíbrio Técnico Ajustado (ETA) constante das informações complementares da Demonstração do Ativo Líquido (DAL), que será observado para fins de destinação de superávit e/ou equacionamento de déficit. Legislação Aplicável: Artigos 10 e 11 da Instrução Normativa Previc nº 33, de 2020.
Confira aqui a edição completa do Fonte 85 de Dezembro de 2022.